SEGUE-ME?

23 de maio de 2011

O que não se vê...




E dentro desse casulo desgracioso, 
envolto à tantas marcas tristes e maculadas
existem tantas coisas ainda 
a serem desvendadas...

[Naná]




2 comentários:

  1. O PEREGRINO

    (Para os peregrinos no tempo, a verdade está lá em outro lugar; o lugar verdadeiro é sempre um pouco mais longe, um pouco mais tarde. Onde quer que o peregrino esteja não é esse o lugar onde deveria estar, nem o lugar onde está em sonhos. A distância entre o mundo verdadeiro e este mundo aqui e agora é tecida por uma divergência entre o que deve ser levado a cabo e o que foi.)

    (O peregrino viajante refletindo consigo, fala:).
    -Para que pode servir a cidade?...
    (ele pensa... pensa... e pensa...).

    -Só as ruas fazem sentido, mas não as casas.

    (Porque as casas tentam o errante cansado a repousar e a aquietar-se, a esquecer do porto de destino ou a adiá-lo indefinidamente. Todavia, as próprias ruas podem revelar-se obstáculos em vez de meios auxiliares, armadilhas mais do que vias de passagem. Podem desorientar o caminhante, afastá-lo da sua senda estreita, extraviá-lo.).

    -Somos peregrinos no tempo...
    Somos peregrinos façamos o que fizermos, e pouco podemos fazer a esse respeito ainda que muito o queiramos.

    (A vida na terra não é mais do que um breve trecho de abertura.).

    -Fundamentalmente, não foi a ser daqui que fomos destinados — e só essa parte de nós que foi destinada ao alhures é digna de preocupação e de cuidado.

    (São poucos os que desejam, e são capazes de, compor eles próprios este breve trecho de abertura terreno, em harmonia com a música das esferas celestes — de fazer da sua sorte um destino conscientemente desposado. Esses poucos necessitam de evitar as distrações da cidade.).

    -É o deserto o habitat que devemos escolher.
    O deserto situava-se distante da agitação confusa da vida quotidiana, longe da cidade e da aldeia, do reino do mundano, da polis.

    (O deserto significaria a posição de uma distância entre nós próprios e o “aqui”, entre outras coisas...).

    -Aqui, na quotidianidade mundana, temos as mãos ligadas, e o mesmo se passa com os nossos pensamentos.
    Aqui, o horizonte estava pesadamente tapado por cabanas, celeiros, capoeiras, pomares e campanários de igreja.
    Aqui, onde quer que nos movêssemos, estávamos num lugar, e estar num lugar significava estar onde se estava a fazer aquilo que era necessário fazer no lugar.

    (O deserto [ao contrário] era uma terra ainda não talhada em lugares, razão pela qual era a terra da autocriação. O deserto era o espaço onde um passo se apaga perante o seguinte, que o desfaz, e o horizonte significa a esperança de um amanhã que fala. Ninguém vai para o deserto para descobrir a sua identidade pronta, mas para perdê-la, perder a sua personalidade, tornar-se anônimo... Depois se produz qualquer coisa de extraordinário: ouve-se falar o silêncio).

    -O deserto é o arquétipo e o viveiro da liberdade crua, nua, primitiva e essencial que não é senão a ausência de limites.

    (Com deserto, o mundo tornava-se sem lugar; os traços familiares são obliterados, mas outros novos vêm substituí-los.)

    -Mas... Como ir para o deserto, se ele esta tão longe desta terra?

    (A diferença agora estava em que, em vez de viajar para o deserto, o peregrino trabalhava duramente por fazer com que ele viesse até ele.)

    -Já sei... Eis que vou trazer o deserto até mim.

    (O solitário peregrino torna-se então "peregrino intra-mundanos" nesta terra. Pois que ele Inventa uma maneira de embarcar na peregrinação sem sair de casa. Só o pudera fazer, contudo, porque o deserto crescera e invadia rente ao limiar da sua casa.)

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  2. (Viajando, neste outro e, novo deserto e, dentro desta terra, o peregrino tem fé que assim, como outros outrora, ele espera que:).

    -Que o nada se transforme e se torna alguma coisa (ainda que só por um momento;).
    Que ausência de significação, venha receber algum significado (ainda que passageira;).
    Que um espaço desprovido de contornos (disposto a aceitar qualquer contorno que se lhe ofereça), que seja um espaço sem as cicatrizes de sulcos antigos, mas fértil em expectativas de duras relhas de arado;
    Que seja essa uma terra virgem (mas disponível para ser lavrada e trabalhada;) a terra de um recomeço perpétuo; do lugar-não-lugar cujo nome e identidade ainda não existe.

    (Numa terra assim, correntemente chamada modernidade ou pós-modernidade, a peregrinação do nosso peregrino já não é uma escolha do modo de vida, e menos ainda uma escolha heroica... A peregrinação torna-se qualquer coisa que se faz por necessidade, ainda que o impulso recebido se transforme miraculosamente em atração e que o inevitável se transforme em finalidade. Nesta condição:).

    -Como peregrino, posso fazer um pouco mais do que apenas andar — posso "andar para".
    Posso igualmente olhar os traços que deixo para trás de mim na areia e chamar-lhes estrada.
    Posso meditar sobre a estrada passada e falar dela como de um progresso rumo a, um avanço, uma "aproximação de";
    Posso introduzir uma distinção entre “para trás” e “para a frente”, e conceber a estrada que se avança como uma sucessão de passos que deverão ainda marcar a terra não marcada.

    (O destino, o, fim declarado desse viajante da vida, dá uma forma ao que a não tem, torna o fragmentário totalidade, confere continuidade ao episódico. O mundo assimilado ao deserto estipula que a vida seja vivida como peregrinação. Mas...).

    -Sabendo que, uma vez que a vida se transforma em peregrinação,
    O mundo à porta de casa é como o deserto, sem traços;
    O seu sentido está ainda por dar-se através da errança que o transformará no trilho que leva até à linha de chegada onde mora o sentido.

    (A este "fazer entrar em campo" do sentido chamou-se "construção da identidade". O peregrino e o mundo assimilado ao deserto que ele trilha adquirem, então, conjuntamente os seus sentidos, e adquirem-nos através um do outro. Os dois processos podem e devem avançar porque há uma distância entre o alvo e o momento presente.)

    -Creio que tenho uma longa distancia a percorrer.

    (Tanto o sentido como a identidade, o peregrino sabe que, só podem existir como projetos, e a distância que faz com que os projetos possam existir. A distância é aquilo a que se chama, a experiência em termos "subjetivos".).

    -...

    (...)

    Por Thiago L.

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